Livrinho da Silva

Para bom entendedor, miúdas palavras: pequeno, fino e desprezível, tanto no tamanho do livro quanto no das histórias que porta. Um livrinho mesmo. Um livrinho porcaria. Verdade?

Não.

Pequenos frascos, perfume concentrado.

“Livrinho da Silva” é o último livro de Aldenor Pimentel, escritor roraimense que insiste xbravamente em não se esquecer de onde vem. Aliás, origem que também está na boca de um de seus personagens, quando diz: “Mesmo à distância, o meu  chão está presente na minha história e nas minhas histórias. Desde sempre, meu lugar é meu cenário e minha inspiração”. Aldenor também é um dos habitantes do nosso coletivo – o Artes da Escrita.

O autor é craque no plot – ou no enredo, como gostam de chamar na academia. Só escribas falam assim, “plot”, que, em suma, é a trama, a história em si. As suas tramas – curtas, ardidas, vezes gozadas, outras irônicas – deixam o leitor extasiado com a movimentação, a leveza e a incisão certeira que fazem no abdômen de quem as lê.

Os personagens dos contos são todos miúdos. Um assaltante de livrarias, um catador de lixo que redesenha uma cidade, um filósofo ressurrecto quarenta anos depois de um coma, uma cuidadora de idosos que adora Foucault, um cordelista analfabeto, uma traficante de Umberto Eco. Todos ligados de forma indelével ao ato de ler ou escrever literatura – de se cometer literatura. Talvez daí venha o título: “Livrinho da Silva”, tão pequeno quanto pequena é a presença da literatura entre nossos pares tupiniquins, cidadãos como nós.
O maior conto de todos, “O Mentor”, conta a história de um autor que é preso por assassinar seus personagens. Na verdade, Aldenor Pimentel problematiza a aura de deus de que quer se investir o escritor, que cria e “assassina” suas criaturas, conforme os humores e as necessidades da narrativa. Lembra mesmo um livro delicioso do peruano Mario Vargas Llosa, “Tia Julia e o escrevinhador”, que apresentava um personagem que era autor de radionovelas, muitas, tantas que ele passou a perder a noção de qual personagem pertencia a qual trama. A solução encontrada pelo escrevinhador foi paulatinamente matar seus personagens, até que não sobrasse nenhum. Mas isso é outra discussão.

Uma história, uma das últimas do “Livrinho da Silva”, é de um coitado que teve o nome grafado por um escrivão desavisado, que em vez de “Epitácio”, escreveu lá: “Epitáfio”. E Epitáfio, assim registrado no cartório, personagem analfabeto, vivia de escrever – escrever não, copiar, pois não sabia ler-escrever – epitáfios para as lápides do cemitério da cidade. É daí que ruge a ironia do autor Pimentel.

Esse escritor Aldenor, portanto, conta 24 histórias miúdas de gente miúda – na representação que a sociedade faz delas, no pouco que elas mesmas acham de si, no nada que sobrou para elas da história com H maiúsculo, chamada de oficial. Tudo pouco. Menos o tamanho da literatura que se lê ali, nas entrelinhas da Silva de Aldenor, o Pimentel.

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